A invencionice de uma universidade de esquerda



Com o título “A invencionice de uma universidade de esquerda”, eis artigo de André Haguette, sociólogo e professor da Universidade Federal do Ceará. Ele questiona a tese de que as Instituições de ensino superior do País são de esquerda. Confira:
Vale lembrar que, para o dicionário Aurélio, invencionice significa “coisa imaginada ou inventada com astúcia ou má fé; maquinação, fábula, mentira”. A proliferação de ataques à universidade pública é exatamente isso: maquinação, fábula e mentira, inventadas com má fé ideológica e hipocrisia política. Um assalto ao pensamento, à ciência e à qualidade educacional em nome de uma insensatez reacionária e perigosa.
Esses ataques deliberadamente falaciosos ocorrem em um momento de absoluto nominalismo, em que palavras e conceitos não significam mais nada e em que cada um pode usá-los como quer, quando quer e para o que quer. A continuar assim restará apenas jogar fora os dicionários, as enciclopédias e os livros impressos ou digitais, toda a cultura ocidental milenarmente acumulada e queimar diplomas e universidades, dando razão à Santa Inquisição e vociferar: abaixo o estudo, a ciência empírica e as humanidades; viva o abrutamento generalizado! Ao longo de sua história a universidade teve dois inimigos a mantê-la adestrada e obediente, a Igreja e o Estado; surge agora uma classe média raivosa e bestificada a querer denegri-la e boicotá-la.
Acusam a universidade pública de ser de esquerda, qualquer que seja o sentido sempre negativo que emprestam a essa palavra! Como se 99% de seus alunos que estudam ciências da natureza, ciências da saúde, matemática, engenharias, arquitetura, agronomia, informática, administração, direito, economia, contabilidade, psicologia, marketing, gastronomia etc. Haveria uma culinária de esquerda e outra de direita; uma matemática de direita e outra de esquerda; e assim por diante para cada uma das outras ciências? Como então ensinar uma ciência de esquerda ou de direita? A ciência depende da aplicação de um método e de verificação, não de preferências subjetivas e políticas. As universidades federais desenvolvem 90% da pesquisa brasileira tão importante para a inovação, a produtividade e os avanços políticos, tecnológicos e humanos; teria uma pesquisa de esquerda e outra de direita?
Ah, sim, faz-se filosofia e sociologia nos campi das federais (com menos de 10.000 estudantes para um universo de 8 milhões de universitários); há debates, seminários, atividades sindicais e políticas extraclasses, liberdade de expressão, como não poderia deixar de ocorrer já que a universidade é um microcosmos de sua sociedade. O que seria da cultura ocidental sem Kant, Hegel, Darwin, Marx, Humboldt, Dewey, Mills, Weber, Heidegger e o Brasil, sem Nabuco, Furtado, Fernandes, Freyre e Freire e tantos outros pensadores universitários? Reduzir as federais a escassos, marginais e condenáveis casos de uso de marijuana e álcool nos campi é mostra de extrema pobreza de espírito!
As jovens universidades públicas brasileiras são, no meio de ubíqua violência e ignorância e apesar de suas limitações, manifestações de inteligência e de criatividade dignas de orgulho e apoio, não de insensatas e inconsequentes perseguição.
*André Haguette,
Sociólogo e professor da UFC.
(Foto – Mauri Melo)

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A invencionice de uma universidade de esquerda BLOG DO CARLOS DEHON Rating: 5 segunda-feira, 13 de maio de 2019

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