
Há duas semanas, quando o presidente Jair Bolsonaro nomeou dois militares para dar expediente no Palácio do Planalto o general Walter Braga Neto, como ministro da Casa Civil, e o almirante Flávio Rocha, como chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) , um coronel do Exército lamentou, em vez de comemorar. Os escolhidos são qualificados para as funções, mas estou preocupado. O Exército Brasileiro está sendo usado. Melhor dizendo, as Forças Armadas estão, disse o militar.
Segundo o coronel, que falou na condição de anonimato, o governo acertou ao realizar duas mudanças junto com as nomeações: subordinou a SAE diretamente à presidência da República e colocou a Assessoria Especial sob tutela da SAE. A Assessoria Especial é comandada por Filipe Martins, um dos expoentes do grupo radical de seguidores do escritor Olavo de Carvalho, e que tem grande ascensão por ser também ligado aos filhos do presidente Carlos e Eduardo. Martins é o conselheiro do presidente para assuntos internacionais, mas, por causa de sua teia de relações com blogueiros e youtubers conservadores e de extrema direita, passou a ser chamado de chefe do Gabinete do Ódio, graças ao trabalho de coordenar as avalanches de ataques a quem consideram inimigos.
Na prática, avalia o coronel, o presidente mandou o almirante Rocha enquadrar o grupo ideológico (talvez por causa da CPI das Fake News, para a qual Martins foi convocado). Eles devem ser deslocados um escalão abaixo, sob comando do secretário-adjunto da SAE. O movimento, apesar de positivo, na avaliação do coronel, vai gerar atritos e turbulência ao redor de Bolsonaro. Essa turma deve estar muito mal-acostumada com a excessiva liberdade que tiveram no primeiro ano de governo.
O coronel, que foi eleitor do presidente e acompanha o governo desde o início, relata que se desiludiu com o líder político por vários motivos. Jair Bolsonaro não cumpriu parte do que tanto prometeu, de combater firmemente o crime organizado. Ele esvaziou Moro, esvaziou tudo o que conseguiu até agora para poupar o filho (Flávio Bolsonaro, investigado por corrupção por rachadinha) com seus interesses velados. O jogo legalizado vem aí, com os cassinos. As negociações avançam nos três poderes, desabafou.
Nessa quarta-feira, 26, depois da repercussão dos vídeos que chamam a população a manifestações em 15 de março, o coronel estava ainda mais preocupado (os vídeos atacam o Congresso e usam imagens de generais, incluindo a do vice-presidente Hamilton Mourão e do ministro Augusto Heleno). Segundo ele, Jair Bolsonaro está aproveitando a eficiência e a seriedade das Forças Armadas para seus planos de poder.
Quem imaginou que a presença de militares ao seu redor conferiria temperança e eficiência a seu governo, enganou-se. Uma personalidade como a de Bolsonaro não pode ser tutelada, muito menos por um grupo de generais com pouca experiência política. Tentar pôr um cabresto no presidente da República seria um risco perigoso, e caro. Qualquer lambança nessa operação pode colocar a perder décadas de sobriedade e prudência de nossa instituição. Foi um desabafo, mas mostra que as Forças Armadas não são um monólito apoiador do governo.
Fonte: Veja
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