Um dos pontos cruciais a se debater é que, se o discurso de ódio é criminalizado, como a sociedade e a Justiça estabelecem os limites entre a liberdade de expressão e a ofensa que atinge direitos fundamentais de grupos historicamente vulnerabilizados?
Léo Lins terá que cumprir 8 anos e 3 meses de prisão e o pagamento de multa equivalente a 1.170 salários-mínimos (superior a R$ 1,4 milhão em valores da época da gravação) e de indenização de R$ 303 mil por danos morais coletivos - (crédito: Reprodução/YouTube)
A condenação do humorista Léo Lins por piadas preconceituosas reabre um importante debate sobre os limites da zombaria e da liberdade de expressão. Ainda cabe recurso à sentença que prevê 8 anos e três meses de prisão e o pagamento de multa equivalente a 1.170 salários-mínimos (superior a R$ 1,4 milhão em valores da época da gravação) e de indenização de R$ 303 mil por danos morais coletivos, mas traz à tona a seguinte pergunta: fazer piada é crime?
Nas últimas décadas, percebemos uma clara mudança no perfil dos humoristas. O tom das piadas dos anos 1980 e 1990 é totalmente diferente dos tempos atuais. O tom escrachado e politicamente incorreto de programas como Os Trapalhões, por exemplo, perdeu espaço. As redes sociais deram voz às minorias. E graças à democracia, tiveram a liberdade de dizer o contrário e permitir o convencimento da sociedade ao longo do tempo de que há crime em muitas situações do dia a dia.
No show em questão, Léo Lins fez declarações ofensivas contra negros, idosos, obesos, pessoas com HIV, homossexuais, indígenas, nordestinos, evangélicos, judeus e pessoas com deficiência. Em primeiro lugar, gostaria de deixar claro que não curto as piadas dele. Considero de mau gosto. Ao mesmo tempo, no entanto, há quem goste, tanto que a apresentação do humorista teve mais de 3 milhões de visualizações no YouTube. Quem consome esse tipo de conteúdo comete um crime, então?
Um dos pontos cruciais a se debater é que, se o discurso de ódio é criminalizado, como a sociedade e a Justiça estabelecem os limites entre a liberdade de expressão e a ofensa que atinge direitos fundamentais de grupos historicamente vulnerabilizados?
A lei não cria "grupos com direito à ofensa", mas, sim, define condutas discriminatórias e de incitação ao ódio, que são inaceitáveis e passíveis de punição e faz parte de um processo de amadurecimento da sociedade, com a discussão do tema em arenas específicas, como o Legislativo e o Judiciário. Se determinados comportamentos são passíveis de punição, é a pessoa que precisa se adaptar à regra, afinal, só é proibido ou crime aquilo previsto em lei.
Acredito que a liberdade de expressão é uma base fundamental da democracia, mas não é absoluta. Seu limite é o direito do outro, especialmente a não ser alvo de discriminação, incitação à violência ou humilhação. Nesse sentido, a questão não é limitar a expressão em si, mas aplicar as punições previstas para quem pratica crimes por meio dela.
A Justiça atua exatamente para analisar cada caso, ouvir as partes e pronunciar a sentença, garantindo que a punição seja proporcional e baseada na lei. Em sua essência, a piada não é crime. Apenas o mau uso dela.
(*) Correio Braziliense
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