VIOLÊNCIA Ao fugir de violência, mães brasileiras são tratadas como sequestradoras em Portugal

Foram anos de denúncias, que se acumulavam sem afastar o agressor. Ligar para a polícia já era parte da rotina de Tatiana*, que aprendeu a conviver com o medo. Depois de ter sido vítima de uma tentativa de homicídio pelo namorado em Portugal, enquanto segurava o bebê no colo, não quis esperar pelo pior.

Desistiu de pedir ajuda e passou a pensar em como salvar a própria vida. Assumiu o perigo de ser processada e retornou ao Brasil com a criança, sem autorização do genitor. "É muito difícil. É como se dissessem para a mulher: 'Fique aí sendo abusada, maltratada, com risco até de morrer, porque, se voltar, o seu filho vai ser repatriado'", lamenta.

Hoje, Tatiana tenta reconstruir a sua história. Mesmo sabendo que a qualquer momento pode ser denunciada, ela afirma que ficar onde estava já não era possível. “A técnica da CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, órgão oficial português responsável por defender os direitos infanto-juvenis) disse que era errado eu afastar o filho de um bom pai. Bom pai? Ele tentou esfaquear a gente”, protesta.

Situações assim estão no centro de uma discussão sobre como a atual interpretação da Convenção de Haia tem se tornado uma armadilha para mulheres que sofrem violência doméstica. O tratado, do qual Brasil e Portugal fazem parte, regula uma série de questões do direito internacional. Entre elas, estabelece o retorno imediato de crianças e adolescentes levados de um país para o outro sem o consentimento de um dos responsáveis.

Essa determinação tem feito com que estrangeiras sejam condenadas por tentarem fugir com os filhos à procura de refúgio. Por diversas vezes, eles são entregues ao agressor, após a mãe perder a guarda e passar da condição de vítima para o banco dos réus, acusada de sequestro.

Dados de 2023 do Ministério das Relações Exteriores (MRE), disponíveis no Mapa Nacional da Violência de Gênero — iniciativa do Senado Federal e Instituto Avon e Gênero e Número —, apontam que Portugal ocupa o topo do ranking no número de cidadãs brasileiras residentes no exterior que buscaram a rede consular para auxílio em episódios de subtração de menores. Em relação às disputas de guarda, o país ocupa o segundo lugar, muito próximo da Alemanha, que aparece em primeiro.

Naquele ano, mais de 1.500 brasileiras recorreram aos consulados para fugir da violência de gênero nos países onde residiam. Portugal mantém o quarto lugar no número total de ocorrências — atrás de Itália, Estados Unidos e Reino Unido. Porém destaca-se nas denúncias de violência vicária, quando os agressores utilizam outras pessoas, frequentemente os filhos, para atingirem a vítima. É comum ocorrer em relações abusivas, após separações, situação em que as crianças são usadas como ferramentas de manipulação para punir ou controlar a mãe.

Registros do MRE, obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que, em 2022, foram recebidas 118 notificações de violência de gênero nos três Consulados-Gerais do Brasil em Portugal, nas cidades de Lisboa, Porto e Faro. Em 2023, foram 127.

(*) Correio Braziliense

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