O ano marcado pela pandemia e o confinamento chega ao fim com a esperança da vacina. Mas os impactos da covid-19 se farão sentir por muito tempo e poderão ser ainda mais profundos do que se imaginava. A expectativa de vida do brasileiro ao nascer deve cair em até dois anos por conta das 190 mil mortes pela doença. Será a primeira queda desse indicador registrada no País desde 1940, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Especialistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estimam que a pandemia vai reverter a tendência observada nas últimas décadas. O brasileiro perderá pelo menos um ano de expectativa de vida, podendo chegar a até dois anos. Dependendo da capacidade do governo de vacinar a população no ano que vem, reduzindo drasticamente o número de mortes pela doença, essa queda pode ainda se perpetuar por mais um ano.
Em 1940, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer era muito baixa, de 45,5 anos. Desde então, com a redução da mortalidade infantil e os avanços na medicina, o número vem crescendo consistentemente. Em 1980 chegou a 62,5 e, no ano 2000, a 69,8. Nos últimos vinte anos, os ganhos foram um pouco mais lentos, mas, mesmo assim, nunca se registrou um decréscimo.
De acordo com os últimos números divulgados pelo IBGE, em novembro, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer era de 76,6. E poderia ser ainda mais alta se não fosse a violência urbana, que costuma vitimar homens jovens. Tanto que a expectativa de vida das mulheres era de 80,1 anos, contra 73,1 anos dos homens.
Historicamente, a cada três anos, nós ganhamos um ano de expectativa de vida ao nascer, explica o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social. Agora, vamos perder em um ano o que levamos seis anos para conseguir. Ou seja, não só vamos deixar de avançar como vamos também retroceder.
Do ponto de vista demográfico, o impacto é muito grande, sobretudo porque 75% da letalidade da doença se concentra entre os idosos. Em geral, as mortes de crianças e jovens têm um impacto muito maior na expectativa de vida média da população do que entre os mais velhos.
Mas o número de mortos foi tão grande, foi uma quantidade tão desproporcional, que acabou tendo todo esse impacto na expectativa de vida, avalia Neri. Este número, 190 mil, equivale a quatro vezes as taxas anuais de homicídios no Brasil; por isso tem esse efeito demográfico gigantesco.
Outro retrocesso importante que deve se perpetuar segundo os especialistas diz respeito à educação. A desigualdade educacional que vinha caindo há pelo menos 40 anos voltou a subir durante a pandemia, por conta das dificuldades que muitos alunos tiveram, sobretudo os mais pobres, para estudar.
Entre os jovens de 6 a 15 anos, a média de estudo durante a pandemia foi de duas horas e dezoito minutos, muito abaixo das quatro horas mínimas exigidas pela LBDE (Lei de Diretrizes Básicas da Educação), afirma Neri.
E a redução foi muito maior entre os alunos de escolas públicas, de renda mais baixa e das áreas mais remotas; no Pará, por exemplo 42% dos alunos não receberam material, não fizeram estudo remoto por falta de material. Isso reverte totalmente a tendência de redução de desigualdade educacional que vinha caindo há 40 anos.
O acesso a internet é outro problema. Estimativas de 2018 do IPEA apontam que cerca de 16% dos alunos do ensino fundamental (4,35 milhões) e 10% dos alunos do ensino médio (780 mil) não têm acesso à internet. E praticamente todos eles eram da rede pública.
Muitas dessas perdas são irreversíveis e podem gerar um efeito permanente, analisa Neri. Teremos uma geração covid.
Embora a renda per capita tenha se mantido elevada por conta do pagamento do auxílio emergencial, o nível de ocupação da população nunca foi tão baixo. A taxa era de 49,7% em maio, passou para 49,3% em outubro e chegou a 49,6% em novembro. Ou seja, metade das pessoas em idade de trabalhar está fora do mercado de trabalho.
Desde que começamos a medir essa taxa nunca tínhamos observado uma ocupação abaixo de 50%, afirmou a coordenadora da pesquisa PNAD-Covid, do IBGE, Maria Lúcia Vieira. Neste sentido, foi um ano muito atípico e complicado para o mercado de trabalho porque houve rendimento efetivo, mas tivemos esse comportamento do nível de ocupação.
O fim do auxílio emergencial em 31 de dezembro preocupa os especialistas, pois deve marcar a volta de um grande número de pessoas para a situação de extrema pobreza. Neste aspecto 2021 me preocupa muito mais do que 2020, afirmou Marcelo Neri.
Para Maria Lucia Vieira, tudo vai depender dos desdobramentos da pandemia e das respostas oferecidas pelo governo no ano que vem.
Não tem como prever muito porque não sabemos o que vai acontecer em termos de pandemia, se a situação vai se agravar ou se vamos ter uma vacinação para minimizar os problemas, diz Maria Lúcia. O comportamento do mercado de trabalho vai se dar muito em função das questões pandêmicas; se tudo estiver terminando e se revertendo poderíamos entender que estamos voltando para um comportamento já conhecido, com a ocupação aumentando até o final do ano. Mas não temos como prever a situação da pandemia, muitos lugares já estão ensaiando um fechamento novamente, São Paulo voltou a adotar horários de expediente limitado.
Fonte: O Tempo