O mês de agosto chegou com possibilidade de formação da La Niña. O fenômeno, que representa a fase oposta ao fenômeno El Niño, causa a diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico central e leste equatorial. Se confirmado, especialistas apontam que pode favorecer o aumento das chuvas no Norte e Nordeste do Brasil. Mas isso será tão significativo assim?
O pesquisador da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Francisco Vasconcelos Júnior, explica ao OPINIÃO CE que, devido ao resfriamento do Pacífico equatorial, existem modificações nos padrões de circulação atmosférica em escala global. “O impacto da La Niña, diferentemente do El Niño, tende a trazer aumento das chuvas, em média, para a região Norte e Nordeste, especialmente no norte da região. Isso pode melhorar as condições para a agricultura e os recursos hídricos. Em termos de temperatura do ar, as condições tendem a ser mais amenas”, explica.
Já no Sudeste e Sul do País, as condições, geralmente, são o inverso. “Temos menos chuvas, com possibilidade de secas severas”, explica o meteorologista. O pesquisador, contudo, destaca que esses padrões interanuais se combinam com as condições do Atlântico Tropical, que podem potencializar ou atenuar esses efeitos.
No Ceará, historicamente, os eventos de La Niña estão associados a um aumento nas chuvas. “Isso se deve à influência de La Niña no fortalecimento dos ventos alísios e na circulação atmosférica, que favorece a formação de nuvens de chuva na região”, detalha Vasconcelos Júnior. Historicamente, a variação dos impactos do fenômeno depende de sua intensidade, além das condições de temperatura da superfície do mar no Atlântico Tropical.
“Geralmente, condições do Atlântico Tropical com anomalias quentes na temperatura da superfície do mar na porção norte e anomalias frias na porção sul tendem a enfraquecer o efeito da La Niña no Ceará. Inversamente, anomalias frias no norte e anomalias quente no sul produzem condições que favorecem os efeitos da La Niña, devido ao favorecimento da posição da Zona de Convergência Intertropical no Atlântico Tropical mais próximo à costa nordestina”, observa o pesquisador da Funceme.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Mais recentemente, a formação do El Niño teve pouco impacto no volume das precipitações do Ceará. De fevereiro a maio, na chamada “quadra chuvosa”, foi observado um volume de 762,2 milímetros, que representa 25,1% acima da sua média para o período, que é de 609,2 milímetros.
“O El Niño teve um impacto em relação à temperatura do ar no Ceará. Entretanto, para a precipitação o impacto ficou em segundo plano devido à forte anomalia de temperatura da superfície do mar no Atlântico tropical sul durante os primeiros quatro meses de 2024, o que proporcionou um intenso transporte de umidade do oceano para o continente, forte atividade convectiva durante fevereiro, março e abril”, justifica Vasconcelos.
O pesquisador ressalta, ainda, que, nos últimos 124 anos em que os dados foram observados, o Atlântico tropical sul nunca atingiu valores de anomalia de temperatura da superfície do ar tão elevados. “De fato, as mudanças do clima, com aquecimento da baixa troposfera e dos oceanos, provocam um grande desafio para ciência na busca de entendimento dessas novas interações entre oceano e atmosfera”, alerta o pesquisador, antecipando que mudanças climáticas podem afetar a influência de El Niño e La Niña no Ceará, já que existem outros mecanismos físicos que impedem a chuva.
“É essencial realizar mais pesquisas e monitoramento. Modelos climáticos avançados e dados de observação de longo prazo são cruciais para previsão climática sazonais e na busca de adaptação a esses impactos”, defende o meteorologista da Funceme.
PREPARAÇÃO
Com 92% de seu território em região semiárida, as mudanças climáticas podem impactar na produção de alimentos no Ceará, a médio e longo prazo. Diante de um cenário mais imprevisível, o secretário executivo de Desenvolvimento Agrário (SDA), Marcos Jacinto de Sousa, explica que a pasta tem fortalecido a agricultura familiar com alguns programas, como o Hora de Plantar, que há 37 anos distribui sementes de melhor qualidade para que a produção ocorra em menor tempo possível. “A gente trabalha para que sejam sementes mais resistentes e que possam, de fato, garantir a produção”.
Na outra ponta, está a implementação de tecnologias sociais, tanto de consumo humano como de produção de alimentos, que são cisternas, barreiros, barragens, entre outras. “O objetivo é ampliar a oferta de água para que as famílias agricultoras possam também produzir, armazenar água durante o período de chuva e produzir alimentos no período de escassez hídrica, já que a gente vive no semiárido”, ressalta Marcos Jacinto.
Em parceria com organizações da sociedade civil, a SDA está concluindo a execução de 2 mil cisternas de 16 mil litros para o uso familiar, com foco em povos indígenas e comunidades tradicionais. Além disso, está implementando 458 cisternas escolares, universalizando o acesso nas escolas rurais. Em breve, um novo edital será lançado, com investimento de R$ 83 milhões para construção de mais 10.600 cisternas de “primeira água”, ou seja, para consumo humano, e mais 600 para produção.
“Ainda temos uma demanda muito grande, mas vamos avançar agora com mais 11 mil tecnologias que serão implementadas e aguardamos as próximas etapas para ampliar, cada vez mais, e chegar a famílias que ainda não têm acesso a regular à água no meio rural”, antecipa o secretário.
Mais recentemente, a pasta lançou o Projeto de Irrigação na Minha Propriedade (PIMP), que vai instalar kits de irrigação em propriedades de até um hectare de agricultores familiares, que podem servir para o cultivo de alimentos e produção de forragem para o rebanho. “O produtor pode produzir a forragem para manter o seu rebanho durante o período de escassez”.
Em parceria com o Governo Federal, municípios e os próprios agricultores, a SDA gerencia o programa Garantia Safra, um seguro de produção que garante uma renda mínima ao agricultor em casos comprovados de 50% ou mais de perda de sua safra, seja por excesso ou deficiência de chuvas no período da produção de sequeiro. “Ela tem sido uma política muito importante. Mais recentemente, em 2022 e 2023, tivemos o pagamento a 100 mil agricultores cearenses em 110 municípios”, enumera o gestor.
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