Poema de Bráulio Bessa em homenagem às vítimas da Covid-19 vira música pelo paraibano Chico César

24/05/2020 > DOMINGO
Por meio da arte, Bráulio e Chico tornam as histórias das vítimas visíveis; - Foto: Igor Barbosa / Tiago Calazans.
A cearense Luiza Caldas Vieira era uma guerreira amorosa, saia espalhando amor por onde passava. Dedicada à família, cuidou de José, o marido, que vive acamado há 16 anos por causa das sequelas de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Aos 73 anos, Luiza se foi, vítima da Covid-19, sem poder comemorar os 50 anos de cumplicidade com seu amor, que completaria neste ano. Hoje, a força da matriarca reverbera nos familiares, que torcem pela recuperação de José, também acometido pela doença.
O divertido motorista de ônibus, Antônio Everton Chaves de Lima, deixa saudades para a família e passageiros. Everton estava prestes a conhecer o neto quando partiu aos 49 anos, também cearense e vítima do novo coronavírus. Fanático torcedor do Fortaleza, tinha apenas uma preocupação: ser chamado de ‘vovô’, o mascote do time rival. Preferia mesmo ser era chamado de ‘vovó’. O fã do Rei Roberto Carlos deixa um legado de positividade e, como dizia a todos, de que “vai ficar tudo bem”.
Essas e outras histórias compõem o Memorial Inumeráveis, projeto virtual idealizado para homenagear as vítimas da Covid-19 no Brasil. A repercussão da iniciativa chegou até o cordelista cearense Bráulio Bessa, que tem como rotina extravasar sentimentos em versos e estrofes. O poema, que recebeu o nome do memorial, virou música com outro talento nordestino, o paraibano Chico César. Alguns trechos da produção de Bráulio estampam a contracapa do Verso e também as páginas desta matéria.
O primeiro encontro de Bráulio com o ‘Inumeráveis’ foi por meio de um quadro do Fantástico. Nele, as homenagens às vítimas ganharam novo tom com histórias declamadas por atores da TV Globo. “Aquilo me tocou muito e fiquei curioso para conhecer outras histórias”.
O mergulho nas memórias das vítimas foi o suficiente para o cordelista se solidarizar com a dor por meio dos versos. “O artista tem essa característica de que uma inspiração vem a partir de uma angústia. Ser poeta é ser um prestador de atenção do sentimento alheio”
Mote
“Não há quem goste de ser número, gente merece existir em prosa”, a frase que sintetiza o memorial trouxe ao cearense um mote de forma instintiva. “Se números frios não tocam a gente, espero que nomes consigam tocar”, com a estrofe galope à beira-mar, muito utilizada na poesia nordestina, Bráulio desengasga o nó na garganta de tantas pessoas que perderam entes amados em meio à pandemia e acabam sendo reduzidos a dados estatísticos.
No poema, o cordelista resgata as histórias de André, Bruno, Diva, Felipe, Margarida e tantas outras para que não se tornem esquecidas ou invisíveis.
“A arte tem esse poder de tornar tudo mais acessível. O poder de provocar, de emocionar, de transformar um assunto complexo em algo mais simples. Penetra de uma forma mais simples no coração das pessoas”, conta Bráulio sobre a importância de ressignificar esse momento.
Não foi fácil para o poeta transformar dor em poema. Ele lembra da exaustão que sentiu ao terminá-lo. “Exigiu muito do meu emocional, fui dar uma respirada e só no dia seguinte eu tive a ideia de gravar o vídeo”.
Virou canção
Dividir com o mundo essa homenagem trouxe a Bráulio o convite do cantor Chico César para transformá-la em música. “O Chico comentou na minha publicação, foi um dos primeiros comentários. Quando fui mandar mensagem para agradecer, ele já tinha me enviado: ‘poeta, poderia me mandar por escrito essa obra-prima? Já musicou ou imagina só falado, mesmo que já esteja tão bem dito?’. Topei e respondi muito emocionado”, relata Bráulio que tem o músico paraibano na lista de cantores preferidos.
A vontade de universalizar o poema em formato de melodia veio a partir da conexão e da sintonia que Chico sentiu ao ler os versos. “Eu li o poema ouvindo a música que vinha dele se encontrando com a que saía de mim. Acho importante que as pessoas sejam lembradas pelas suas existências no afeto dos que sobreviverem”, ressalta o músico.

“Tem ao mesmo tempo um tom de doçura, mas também de protesto, de que você precisa entender”, aponta Bráulio sobre a musicalidade da melodia.
Apesar de enxergar a importância da iniciativa e do ressignificado do luto, Chico afirma que preferia não ter tido a necessidade de fazê-la. “Acho triste que exista necessidade de uma canção dessa. Preferia não tê-la feita, mas é necessária. Os tempos são de sensibilidade, mas não sabemos das pessoas da área de saúde não podendo voltar pra casa e das famílias não podendo enterrar seus mortos”, destaca. Chico, no entanto, ressalta: “A música e as artes em geral acalentam o coração”.
Para o idealizador do Memorial Inumeráveis, Edson Pavoni, está sendo muito importante perceber que as histórias penetram no coração, num lugar onde os números não conseguem alcançar e isso tem sido muito potente. “A gente não pode se desconectar da realidade, os dados não são a melhor ferramenta pra gerar essa conexão emocional tão necessária”, afirma.
A sensibilidade do projeto gerou bastante repercussão entrando como pauta de muitos veículos de comunicação. Para Edson, essa repercussão tem mostrado a potência da iniciativa. “Muitas pessoas postam e fazem vídeos sobre o memorial, ver, especialmente, Bráulio e Chico foi muito importante, ver essa conexão poética que está acontecendo em torno do projeto”, ressalta.
Diário do Nordeste

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