Juiz que rejeitou indenizar vítimas da ditadura é contestado por saudação ao regime


SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O juiz federal Luís Antônio Johonsom di Salvo, que recentemente negou indenizações a vítimas da ditadura militar no Brasil (1964-1985), indicou apoio ao regime na época por meio de uma carta a Ernesto Geisel, então presidente do país, para parabenizá-lo e expressar "solidariedade" e "sincera confiança".

A Associação Heinrich Plagge, que representa ex-empregados da Volkswagen que sofreram perseguição política durante a ditadura, cobra que o magistrado do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) declare suspeição para julgar casos que envolvam o regime.


A carta, que está no Arquivo Nacional e foi endereçada ao general em 27 de março de 1974, diz que "nós, integrantes do Interact Club de Rio Claro, clube de serviços dedicados às comunidades nacional e internacional, desejamos parabenizarmo-nos com vossa excelência pela investidura na chefia da nação. Externamos também nossa solidariedade e sincera confiança".

O texto foi assinado por Luís Antônio Johonsom di Salvo, na época presidente da Comissão de Relações Nacionais do Interact Club de Rio Claro e atualmente juiz do TRF-3.

A carta para Geisel afirma ainda: "Congratulamo-nos com vossa excelência pelo transcurso do décimo aniversário da Revolução de Março de 1964", em referência à data na qual ocorreu o golpe militar no Brasil.

"Em nome do Interact Club de Rio Claro apresentamos as nossas mais efusivas saudações", finaliza o texto.

O juiz federal reverteu decisões que condenavam o Estado a pagar indenização por danos morais a perseguidos políticos --ao menos três casos foram confirmados pela reportagem. Entre os argumentos para negar os pagamentos, ele afirmou que as pessoas sabiam dos riscos de se posicionar contra o regime.

O magistrado nega atuar com orientação político-ideológica e diz repudiar "a interpretação" dada a fatos de 1974.

Nos despachos, di Salvo tem usado termos como "líder de movimento esquerdista" e já afirmou que um solicitante fazia parte de "movimentos e partidos defensores da ditadura do proletariado".

Segundo a Associação Heinrich Plagge, "as decisões que negam as reparações pleiteadas ostentam nítido caráter ideológico, no sentido de legitimar e apontar que os graves atos de violações de direitos humanos praticados na ditadura militar estavam estritamente nos termos da lei".

O acórdão relacionado à solicitação da família de Antonio Torini, no qual di Salvo foi relator, afirma que "a prisão, a incomunicabilidade, o julgamento e o banimento sofridos por Torini eram as consequências jurídicas de seus atos que tendiam à implantação de uma ditadura comunista no Brasil, em confronto com a opção política vigente".

Torini foi preso em 1972, durante a ditadura militar, e permaneceu detido no DOPs (Departamento de Ordem Pública e Social) de São Paulo por 49 dias, incomunicável, segundo os advogados de defesa de Livonete Aparecida Torini.

Em algumas decisões, o juiz do TRF-3 desconsidera que a União reconheceu a condição de anistiado político dos solicitantes de indenização. Segundo ele, "isso não está em discussão --esse reconhecimento não induz necessariamente que a pessoa foi torturada no cárcere".

Também não considerou o termo de ajustamento de conduta assinado pela Volkswagen com o Ministério Público Federal, pelo qual a empresa se comprometeu a pagar cerca de R$ 36 milhões, em diversas ações, por sua colaboração com a ditadura militar.

Segundo a entidade que representa os ex-funcionários da empresa automobilística, di Salvo "tem proferido inúmeras decisões judiciais em causas relacionadas a companheiros de luta e associados de nossa associação no sentido de negar a reparação moral daqueles que foram alvo de medidas inconstitucionais e ilegais praticadas pelo Estado".

Ainda de acordo com a associação, "é espantoso um desembargador que congratulou o golpe de 1964 julgar casos relacionados a graves violações de direitos humanos ocorridos no período da ditadura militar".

A reportagem solicitou uma entrevista com o juiz federal para questioná-lo sobre a suspeição defendida pela associação e se ele apoiava o regime militar.

Em nota, o juiz afirmou que "nutre muito respeito pela imprensa e admira o difícil trabalho jornalístico. Contudo, entende não ser apropriado a concessão de entrevistas tendo em vista que a Lei Orgânica da Magistratura (art. 36, III) proíbe que decisões próprias ou alheias sejam comentadas ou criticadas".

Di Salvo disse ainda que "todas as decisões são tomadas com base nas provas produzidas pelas partes, nos autos" e que "em muitos processos concedeu indenizações a vítimas de perseguição política".

O magistrado afirmou que não desempenha seu ofício com orientação político-ideológica e que repudia "veementemente a interpretação que está sendo dada a fatos ocorridos em 1974, há 47 anos".

Ele disse ainda que na época da carta tinha 17 anos e frequentava a escola em sua terra natal e que isso não possibilita "fazer inferência negativa ao exercício da sua presente atividade jurisdicional".

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