Da pistolagem à facção: a reconfiguração do crime que chegou a Fortaleza

Legenda: A pistolagem agora é praticada por membros de facções criminosas e tem como alvos quem desafie ou desagrade os bandos.
Foto: Departamento de Arte/Louise Dutra


Há quem pense que a pistolagem acabou no Ceará. Fatos recentes mostram que não. Ela agora é praticada por membros de facções criminosas e tem como alvos quem desafie ou desagrade os bandos. Em determinados casos, funciona como ‘Tribunal do Crime’, onde se decide quem vive e quem morre em conversas por aplicativos.

“A época sombria na nossa cidade parece ter passado. Observamos agora que as mortes por disputas de terras se reconfiguraram para mortes por disputa de território para o tráfico de drogas”, disse um morador de Jaguaribe, no Interior.

O popular conta que a última década foi de altos e baixos devido a uma guerra interna, agora protagonizada pelas facções. Ele cita que há cinco anos soube que um matador saiu do Rio Grande do Norte rumo à cidade, com intuito de matar duas pessoas: “Era um adolescente que saiu de táxi e chegou em Jaguaribe. Conseguiu matar um, a outra pessoa escapou”.

Um promotor de Justiça ouvido pela reportagem admite que com a reconfiguração aumentou o poder econômico dos criminosos. O representante do MP diz ainda que a população teme a volta da pistolagem tradicional.

Assim como no interior, em Fortaleza, as mortes sob encomenda continuam, mesmo que mais veladas e subnotificadas. Em 2020, por exemplo, um pistoleiro foi contratado para matar um policial militar e a mãe dele, na Capital.

TRAGÉDIA ANUNCIADA

Seria mais uma tragédia em uma família, como as que aconteciam quase que semanalmente de 2005 a 2010, na região de Jaguaretama. O atentado foi descoberto a tempo pelas autoridades e a tragédia evitada.

Envolvidos foram presos e estão na condição de réus no Judiciário. No último mês, defesas tentaram mais uma vez viabilizar soltura dos acusados. Mas o juiz entendeu que as circunstâncias ainda recomendam a manutenção da segregação cautelar.

O Ministério Público do Ceará (MPCE) através do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) ofereceu denúncia contra Yure de Oliveira Xavier, Tamyres Cavalcante Martins, Leandro Ferreira de Freitas e Renato Ferreira de Lima. Para o órgão, todos eles planejaram a morte do agente e da sua genitora e integram facção criminosa de origem carioca.

QUEM MATA TEM DÍVIDA ABATIDA

Tamyres teria dito a Yure que podia abater R$ 1.500 de uma dívida de drogas, caso ele matasse o policial militar. O assassinato se tratava de uma vingança devido a uma rixa pessoal. Leandro, namorado de Tamyres, era vizinho do PM.

Um dia, quando o policial colocou uma moto na calçada da família de Leandro ele foi chamado de “policial de merda”. Desde então, os vizinhos se estranharam. A situação piorou quando o agente soube do envolvimento do casal no tráfico de drogas. Aquele seria o momento de eliminar o policial.

A defesa de Yure afirma que as acusações são presunçosas “sem qualquer prova nos autos que nos faça suspeitar de qualquer envolvimento do acusado com o crime imputado”. Já o advogado de Renato Ferreira afirma que ele é inocente “o que deve ser provado durante a fase de instrução e julgamento”

A defesa de Renato alega que ele já está preso há um ano e cinco meses, sem que tenha sido proferida sentença condenatória. Já o magistrado diz que não há excesso de prazo e que a instrução do processo já foi encerrada.

Investigadores descobriram a tempo o plano, porque tiveram acesso ao conteúdo de uma conversa do WhatsApp entre Renato Ferreira de Lima e Yure.

O sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), César Barreira, destaca que as mudanças do perfil do pistoleiro são fortes e que quando muda o perfil do criminoso, também muda o perfil da vítima: “hoje, qualquer um de nós pode ser vítima de pistolagem”, diz.

(*) Diário do Nordeste
www.carlosdehon.com

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