Um dos responsáveis por articular a campanha mais irreverente da política cearense — aquela que “elegeu” um bode como vereador de Fortaleza — empresta, há mais de meio século, seu nome a um bairro de Fortaleza. Quintino Cunha, no mapa, marca o limite entre a Capital cearense e Caucaia. Na história, foi advogado, poeta e humorista nato, com uma sagacidade que atravessou tribunais, páginas literárias e até as urnas.
Esta reportagem, que integra o “Baú da Política — Especial Bairros de Fortaleza”, relembra a história e o legado de Quintino Cunha. Nesta série de matérias, o Diário do Nordeste explora a história política e social do Ceará a partir do legado de políticos que dão nomes a bairros da Capital.
QUEM FOI QUINTINO CUNHA?
Advogado, poeta, escritor e deputado, Quintino Cunha nasceu em São Francisco de Uruburetama (atual município de Itapajé), em 24 de julho de 1875. Desde criança, colaborava com jornais locais do Ceará. Na juventude, morou na Amazônia, onde exerceu a função de rábula (pessoa que atuava como advogado sem a formação na área). Em seguida, morou um período na Europa.
No retorno ao Ceará, ainda jovem, passou a residir em Fortaleza, onde virou uma das figuras mais populares de sua época. Irreverente e dono de um humor ácido, essa característica passou a ser sua marca na literatura e na política.
Na Capital, se formou em Direito em 1909, dedicando-se à área criminal. Ele foi deputado estadual, entre 1913 e 1914, e advogado de renome, conhecido por dar demonstrações de sua sagacidade nas audiências que participava. Um dos costumes que tinha era de falar e escrever rimando, sendo conhecido como exímio repentista. O pensamento sagaz rendia respostas rápidas e bem-humoradas aos juízes e promotores, já na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), ganhava destaque pelas críticas e pela boa oratória.
Na produção literária, a irreverência também aparecia, com poesia satírica e crônicas críticas ao poder e aos costumes da época. Para muitos pesquisadores, Quintino Cunha foi um dos precursores da fama de bem-humorado do cearense, que levou a um traço da cultura local, gerando artistas até os dias atuais.
QUINTINO CUNHA E O BODE IOIÔ
Depois da rápida passagem como deputado estadual, Quintino Cunha desistiu da carreira política. No entanto, foi nessa época que conquistou um feito histórico: ajudou a articular a campanha pelo Bode Ioiô para vereador de Fortaleza em 1922.
O animal, que vivia pelo Centro da Capital e era conhecido da população, conquistou votos para ser eleito, mas, obviamente, nunca tomou posse. Na verdade, a vitória foi uma forma de protesto da população, que usou as cédulas de papel da eleição para eleger o caprino em manifestação contra os rumos da política na época.
A trajetória pessoal do advogado, político e poeta foi tão marcante que foi eternizada no nome do bairro de Fortaleza. Embora não exista, nos arquivos digitais do Município, um documento oficial que indique a data exata do batismo do bairro com seu nome, registros da Câmara Municipal e mapas históricos indicam que, há cerca de 60 anos, o local já era conhecido pelo nome de Quintino.
Quintino Cunha viveu até junho de 1943, quando morreu prestes a completar 68 anos, sem fortunas acumuladas. Mesmo após a morte, a irreverência e a acidez não abandonaram o poeta e político. Em sua lápide, ficou gravada uma frase que preparou: “O Padre Eterno, segundo refere a História Sagrada, tirou o mundo do nada, e eu nada tirei do mundo”.
(*) Diário do Nordeste







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