Lavanderia de fichas-sujas

(*) Correio Braziliense

Severino Francisco

O projeto da Ficha Limpa, uma das mais importantes conquistas da sociedade civil, corre sério risco de ser desfigurado. Excelências fazem uma articulação para reverter e abrandar as punições e favorecer parlamentares ou candidatos com currículos que se confundem com folhas corridas. Consideram que 8 anos de inelegibilidade para quem distribuiu notícias falsas sobre as eleições, tem ligações com as milícias, tentou um golpe de Estado ou desviou dinheiro público é muito tempo. Pretendem reduzir o prazo de punição para dois anos.

A lógica é a seguinte: se as excelências cometem delitos, a culpa não é delas, mas da lei que as flagrou em deslize ético. Então, é só mudar a lei que o problema se resolve. Esse parece ser o espírito que anima a nova tentativa de parlamentares no sentido de autoblindar-se das infrações cometidas e das que porventura cometerão do futuro.

Não existe nenhuma justificativa razoável para a estratégia disparatada. Pelo contrário: há fortes razões para endurecer a lei ante a investida do crime organizado no território da política partidária. Existem sinais desse perigo para a vida pública. É uma proposta que vai na contramão da postura do Tribunal Superior Eleitoral que indicou a tendência de ser mais rigoroso nas eleições de 2026 precisamente pela ameaça de infiltração das orcrims nos parlamentos .

A Lei da Ficha Limpa estabelece a inelegibilidade depois da sentença promulgada em segunda instância. No entanto, ela não exclui a possibilidade de a Justiça Eleitoral barrar o candidato se constatar indícios de fatos ilícitos que são incompatíveis com a moralidade pública. E foi o que aconteceu em Belfort Roxo, informa matéria do site da CNB, onde o TSE indeferiu a candidatura de um postulante ao cargo de vereador.

Antonio Carlos Ferreira, ministro relator do caso, afirmou que o candidato “ostenta contra si diversos elementos denotativos de sua participação em milícia armada, na prática de extorsões e no porte ilegal de armas”. Se o TSE e outras instituições não zelarem pela decência dos parlamentos, o receio é de que, em breve, teremos bancadas do crime agindo descaradamente.

Afrouxar as punições da Lei da Ficha Limpa só beneficiará os que se apropriam do voto popular democrático para fins escusos. É algo que fere o decoro parlamentar e estimula o crime. As excelências já são blindadas pela imunidade parlamentar para o exercício de suas atividades. Os políticos pretendem ser semideuses inimputáveis. Mas o fato de ser votado por milhões de eleitores não confere a nenhum parlamentar o direito de pairar acima das leis e incidir em crimes. A soberania do voto é um requisito essencial, mas não absoluto.

Essa pretensão de flanar acima da lei é abuso de poder e precisa ser repelida com veemência, pois é imoral e antirrepublicana. Não foi para isso que suas excelências receberam um mandato popular. O Brasil quer respeito à democracia, decência, transparência, dignidade, justiça, trabalho, educação, ciência, saúde, cultura e compromisso do parlamento com o país.

Só cuidam dos interesses pessoais, transgridem a lei e ainda desejam ser condecorados. Almejam um processo sem investigação e sem punição. Usurpam o mandato popular para criar leis no sentido de descriminalizar o crime e lavar a ficha-suja.

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