Denúncias sobre violações a crianças e adolescentes crescem no Ceará



No ano em que a Convenção Sobre os Direitos das Crianças completa 30 anos, o Ceará enfrenta um aumento no número de denúncias de violações a direitos da população de até 17 anos no Estado.
No primeiro semestre deste ano, 1.527 casos foram informados ao Disque 100 (Disque Direitos Humanos), ferramenta do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). A média é de oito casos por dia, ou um a cada três horas. O número é 8,7% maior que as 1.405 ocorrências informadas de janeiro a junho do ano passado.
Em 2019, o Ceará ocupa o 7º lugar do Brasil em número de denúncias relativas a crianças e adolescentes. No período, foram registrados 2.961 tipos de violações, que são encabeçadas por casos de negligência (38%) - a categoria inclui situações relacionadas à alimentação, limpeza, assistência à saúde e abandono, dentre outras. Segundo o Governo Federal, em uma única denúncia, podem ser informadas duas ou mais violações.
Os casos de negligência são seguidos por violência psicológica (21,9%), violência física (21,4%) e violência sexual (9,5%).
Conforme o levantamento, foram notificadas 2.246 vítimas no primeiro semestre deste ano; a maioria (62,8%) tem menos de 12 anos de idade, e 28,5% têm entre 12 e 17 anos. Do total, 40% foram informadas como pardas e pretas.
Agressores
Também foram compiladas informações sobre os supostos agressores. Os pais teriam sido responsáveis por 85% das violações, sendo mais comum entre as mães (59%). Um dos casos que atesta a porcentagem foi o de uma mulher, presa no fim de outubro, por agredir a filha de 13 anos em Sobral, na região Norte do Estado. Segundo a Polícia, a denunciada se revoltou após a menina ir ao salão de beleza pedir dinheiro à mãe para comprar um botijão de gás. Queria fazer comida para ela e os irmãos mais novos, de 7 e 10 anos.
A mulher espancou a filha alegando que não tinha dinheiro para o gás, somente para a cabeleireira. A lista do Disque 100 inclui outros familiares como agressores, principalmente tios e avós. No entanto, pessoas de fora do seio familiar também foram acusadas, como professores, diretores de escola, líderes religiosos e até mesmo desconhecidos.
Dentro do lar
Quanto ao local da violação, praticamente metade (49%) ocorreu dentro da casa das vítimas. Outros 19% se deram na casa dos supostos agressores. Uma pequena parcela (7,8%) aconteceu "na rua".
Hospitais e órgãos de administração pública também entram no levantamento. Nem as escolas escapam. Em maio deste ano, pais de alunos da Educação Infantil de uma unidade de ensino em Caucaia, na Região Metropolitana, divulgaram em redes sociais vídeos dos próprios filhos sendo agredidos por professores.
De acordo com Dillyane Ribeiro, coordenadora do Núcleo de Monitoramento do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), a violência dentro da própria família afeta todas as classes sociais. "A naturalização da violência contra essa população é muito grande porque eles não são vistos como sujeitos de direitos. Educar é mais importante que violentar", observa.
A coordenadora reflete que o contexto de trauma pode aprofundar o nível de violência na própria sociedade, e indica que o aumento nas denúncias "é também reflexo da deterioração das políticas sociais", principalmente de assistência social e saúde mental.
"A família não está preparada para lidar com um jovem com sofrimento psíquico, e às vezes um transtorno médio se agrava. É um exemplo de como várias situações poderiam ser evitadas se tivéssemos suporte adequado", diz.
Ações
Segundo a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, vinculada ao MMFDH, ações transversais de defesa dessa população incluem a manutenção da Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes; o desenvolvimento de campanhas nacionais, como a Maio Laranja, de combate ao abuso e à exploração sexual; e uma parceria com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Projeto Mapear, de enfrentamento à exploração sexual.
A reportagem solicitou uma entrevista com representante da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (SPS), para discutir o fenômeno e iniciativas para garantir os direitos de crianças e adolescentes, mas não recebeu retorno da Pasta até o fechamento desta edição.
Para Dillyane Ribeiro, do Cedeca, os sistemas de saúde e de assistência social territorializados precisam ser fortalecidos porque são referências para a população que busca "intervenção afetiva" sobre como lidar com questões inerentes à infância e à adolescência. "É preciso que, na discussão dos orçamentos para o próximo ano, eles sejam tratados de fato como prioridade".
Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças até o ano de 2030 é um dos pontos da Agenda da Organização das Nações Unidas (ONU), dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Fonte: Diário do Nordeste

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