A cena política brasileira na última semana escancarou um vício recorrente em Brasília: o efeito manada. Trata-se da prática em que parlamentares seguem a orientação dos líderes sem avaliar, de fato, as consequências políticas e eleitorais das escolhas. Foi exatamente o que se viu na tramitação da já enterrada PEC da Blindagem, cuja aprovação na Câmara acabou seguida por um arrependimento em massa. Diante da reação popular, muitos deputados correram às redes sociais para pedir desculpas e tentar se descolar do próprio voto.
A proposta, como se sabe, buscava recriar um regime de privilégios processuais extintos há mais de duas décadas, impondo voto secreto em casos de prisão e submetendo ações penais a um filtro corporativista. Era um retrocesso evidente que, na prática, livraria congressistas e líderes partidários da investigação de crimes graves, erguendo um verdadeiro escudo de impunidade. Não por acaso, recebeu apelidos nada elogiosos como "PEC da Imoralidade", "PEC da Bandidagem", "PEC do Escudo da Corrupção", entre tantos outros.
O mais revelador, no entanto, não foi apenas o conteúdo da proposta, mas a conduta dos que a aprovaram. Ao se deixarem levar pelo movimento da maioria, sem medir consequências, deputados mergulharam na lógica do rebanho político: votaram porque outros votaram, apoiaram porque parecia conveniente naquele momento. Poucos tiveram coragem de se contrapor ao clima favorável à blindagem. Só quando a sociedade foi às ruas no fim de semana, em todas as capitais, com grandes atos na Avenida Paulista e na praia de Copacabana, é que o jogo virou. O arrependimento coletivo mostrou-se menos um gesto de consciência cívica e mais uma tentativa de escapar do desgaste eleitoral.
O Senado, por sua vez, soube interpretar a mudança de cenário. A rejeição unânime da PEC pela CCJ é, antes de tudo, um reflexo direto da pressão social. É sintomático que apenas diante de manifestações massivas o Congresso se lembre da função republicana que o acompanha. Ao enterrar a proposta, os senadores evitaram um desastre institucional maior e, ao mesmo tempo, aliviaram o peso que recaía sobre os ombros dos colegas da Câmara.
A história da PEC da Blindagem deixa uma lição incômoda. Um Legislativo que age por instinto de manada e recua apenas quando acuado pela opinião pública não cumpre plenamente o papel democrático. A política não pode se reduzir a um exercício de conveniência; deve ser, antes de tudo, um compromisso com responsabilidade. Não basta comemorar a vitória momentânea contra a proposta. É preciso enfrentar o problema de fundo, que é o sistema de privilégios e acomodações que ainda sustenta práticas de autoproteção no poder.
Para ter um Congresso menos refém de pressões imediatistas e mais comprometido com o interesse público, é fundamental avançar em reformas que fortaleçam a transparência, reduzam os benefícios corporativos e devolvam ao voto parlamentar o peso da convicção. A sociedade mostrou que sabe reagir. Cabe aos nossos legisladores demonstrarem que também sabem aprender.
(*) Correio Braziliense
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